Envelhecer não é sinônimo de desacelerar. Cada vez mais, o público sênior pede mobilidade, movimento e liberdade. De ouvidos atentos a essa demanda, nasceu a Eu Vô, o serviço de transporte para os maduros.
Esse é um cenário comum a muitos idosos no Brasil. Lugares para ir, compromissos a cumprir, uma vida a viver — mas limitados pela mobilidade, já que não podem mais dirigir. Eles pedem carona a amigos e familiares, mas esses têm sua própria agenda de compromissos. Chamam um táxi, mas a corrida custa caro. Vão de ônibus, mas as pernas já não têm mais força para subir os degraus.
Alguns estudos já indicam que 26 milhões de idosos americanos dependem de outros para garantir o próprio transporte. Apesar de não existir uma estatística como essa no Brasil, é fácil notar que o crescimento da população sênior fará esse número aumentar também nos próximos anos. A falta de mobilidade leva o idoso, em muitos casos, a uma situação de isolamento social, já que diminui sua independência pessoal e a liberdade de ir e vir, consumir e estar no mundo.
Nos casos em que o idoso continua dirigindo, apesar das restrições físicas, o conflito familiar torna-se cada vez maior. Uma pesquisa feita em 2013 pela Liberty Seguros indica que 55% dos filhos estão preocupados com os pais que ainda dirigem, mas apenas 23% conversam com eles sobre isso. A falta de opções de transporte torna esse assunto ainda mais urgente e delicado, tanto para os filhos, quanto para os pais.
Victória e Gabriel Abdelnur Barboza sempre conviveram de perto com o problema da mobilidade. Um pouco depois de Victória nascer, os irmãos descobriram que a mãe sofria de esclerose múltipla, doença autoimune que afeta o sistema nervoso central, causando uma perda gradativa dos movimentos. Até a empreendedora completar 22 anos, a mãe ainda dirigia. Infelizmente, nos últimos anos o agravamento da doença aumentou sua dificuldade de andar. Por essa razão, Victória passou a levá-la de carro à farmácia, banco, shopping, supermercado — garantindo que ela pudesse chegar aos lugares, mesmo sem dirigir. Nesse mesmo período, a avó deles de 88 anos, também tem inspirado mais cuidados da família, já que sua autonomia para realização das tarefas é cada vez mais limitada.
Essa situação familiar — somada às aulas de Pós-Graduação de Victória sobre o mercado prateado — deu aos irmãos um estalo. O desafio da família se desdobrar para levar os idosos a seus compromissos poderia ser também uma oportunidade de negócio.
Durante um jantar em casa, em meados de 2016, eles contaram a ideia para os pais: um serviço de transporte com motorista particular que levasse os idosos a seus compromissos, de forma mais personalizada? Uma ideia que parecia fazer sentido. Algumas taças de vinho depois, o pai dos empreendedores já tinha até o nome para o projeto: Eu Vô, o ‘Uber’ dos idosos.
Nas semanas seguintes, os irmãos empreendedores já lançaram uma pesquisa online para identificar o potencial de mercado na cidade onde moram, São Carlos, no interior de São Paulo. Quatro meses depois daquele primeiro estalo, já tinham a primeira corrida agendada. A passageira era Dona Terezinha Sampaio, avó de uma amiga de Victória. Ela viu o serviço pelo Facebook, entrou em contato pelo Messenger e agendou a própria corrida.
No início, eram dois carros: Gabriel dirigindo um e Victória o outro. Pagamento em dinheiro, agendamento manual, ainda sem aplicativo. Cada novo cliente preenchia uma ficha com as necessidades de mobilidade e restrições médicas e poderia escolher entre três serviços, sendo todos de porta a porta:
- Serviço que leva e traz o cliente, em que o motorista pode aguardar no local.
- Acompanhamento de consultas médicas, tarefas diárias e outros compromissos
- Serviço personalizado que atende a variações de dias e horários.
Em vez de pagar pela corrida individualmente, o idoso ou o familiar pode adquirir um pacote, de acordo com as horas usadas por mês — agendadas com antecedência para garantir o conforto do passageiro.
Com o tempo, a agenda começou a lotar. A demanda era tão alta que os irmãos já não conseguiam atender a todos sozinhos. Decidiram chamar o primeiro motorista parceiro. No mesmo modelo de trabalho do Uber e da 99 Táxis, eles contariam com uma rede de parceiros para atender às necessidades especiais do público 60+. Porém, um negócio pautado pelo relacionamento e cuidado com cada passageiro não poderia crescer em alta velocidade, sem que os motoristas estivessem bem treinados.
Para concorrer com gigantes, os irmãos sabem que precisam pisar no acelerador. É por isso que hoje Gabriel e Victória têm se dedicado a duas grandes entregas previstas para setembro: o lançamento do aplicativo mobile Eu Vô e um modelo replicável de treinamento para motoristas que atendem ao público sênior. Com esses produtos em mãos, eles estão prontos para expandir até o fim do ano para cidades vizinhas como Ribeirão Preto, Araraquara e Rio Claro.
O mercado de mobilidade para o público 60+ é um dos segmentos com maior potencial de crescimento — e demanda no Brasil. Além de resolver uma necessidade clara de transporte para os maduros, serviços assim entregam muito valor também à “geração sanduíche”. Essa geração, formada por pessoas de 35 a 60 anos que vivem um desafio duplo: cuidar dos filhos pequenos e dos pais mais velhos. O excesso de responsabilidades os leva a dividir a própria agenda entre o trabalho, as tarefas de casa, os compromissos dos filhos e a rotina de cuidados dos pais.
Nesse sentido, multiplicam-se os negócios criados para facilitar a rotina familiar, mantendo a autonomia dos idosos sem depender da disponibilidade dos filhos. Assim como a Eu Vô, são negócios que mantêm o cuidado, a atenção e a responsabilidade no atendimento, usando a tecnologia para ser escalável.
Por essa razão, os empreendedores foram reconhecidos na 1ª Chamada de Negócios da Longevidade, organizada pelo Aging2.0 São Paulo, Ativen e Hype60+, no último dia 18 de abril, em São Paulo.
A partir do mapeamento de 141 startups do ecossistema de longevidade, o evento identificou 16 negócios voltados para a mobilidade, dentre eles, a Eu Vô, considerada uma das mais inovadoras do país.
Durante o evento de premiação, os irmãos Gabriel e Victória fizeram o pitch do modelo de negócio e ganharam mentorias exclusivas com especialistas do chamado mercado prateado para ajudá-los nos desafios de crescimento que estão por vir. Além disso, contam também com uma estação de trabalho no coworking Civi-co, em São Paulo, para desenvolverem a empresa sem custos de infraestrutura.
Modelos de negócio como o da Eu Vô se destacam pela escalabilidade e potencial de impacto em um nicho que já representa 15% do total da população. Porém, o desafio dos negócios nascentes em um mercado de concorrência feroz é se diferenciar de tal modo que seja visto pelo público maduro como sua escolha número um. Basta enxergar que o serviço de transporte oferecido é mais do que uma carona, é a afirmação da própria liberdade para um público que não pretende mais envelhecer dentro de casa.
Fonte: http://hype60mais.com.br