Qual a melhor forma de criar uma perspectiva saudável da velhice? Passando mais tempo com os idosos para descobrir o que faz sentido e proporciona prazer nessa fase, apesar das perdas físicas e sociais que certamente sofreram.
Essa é a descoberta dos autores de dois livros inspiradores sobre o envelhecimento, que felizmente se deram ao trabalho de revelá-la aos que provavelmente farão parte do grupo dos “idosos muito idosos” em um futuro não muito distante. Na verdade, as ideias neles contidas podem ser igualmente valiosas para os jovens e as pessoas de meia-idade com medo de envelhecer.
Alguns podem até evitar o convívio com idosos, com medo de pegar sua “doença” – e só tem a perder com isso.
Em nossa cultura enaltecedora da juventude, muita gente encara os mais velhos com medo ou desprezo, vendo-os como consumidores onerosos de recursos que pouco oferecem em troca.
Diante do ritmo alucinante da tecnologia, que muitas vezes desconcerta e confunde a terceira idade, a sabedoria que possui, e que já foi tão admirada pelos jovens (e continua sendo, em algumas sociedades tradicionais), não é valorizada, nem gera respeito.
O primeiro livro que li foi “The End of Old Age”, do Dr. Marc E. Agronin, psiquiatra geriátrico do Miami Jewish Home, que aprendeu, depois de décadas de tratamento aos idosos, que é possível manter o propósito na vida mesmo diante de doenças e deficiências debilitantes, do funcionamento físico e mental prejudicado e da participação limitada em atividades.
O segundo, “Happiness Is a Choice You Make”, foi escrito por John Leland, do New York Times, que passou um ano entrevistando – e aprendendo – com seis moradores “idosos muito idosos” (todos com mais de 85 anos) da cidade, de diversas culturas, formações e experiências de vida.
O repórter me disse: “Essas pessoas mudaram totalmente minha vida; abriram mão de distrações que nos levam a fazer bobagens e se concentraram no que é importante. Não ficam se desgastando com o que pode vir a acontecer; só se preocupam quando as coisas acontecem e, mesmo assim, não muito. Simplesmente lidam com o fato. Em qualquer idade podemos escolher nos adaptar aos acontecimentos. Temos o poder de decidir se deixamos ou não as coisas nos derrubarem”.
Após a leitura dos livros, passei a me encarar de outra maneira: como uma pessoa que já viveu bastante e continua a procurar e aproveitar atividades proporcionais às limitações impostas pelas mudanças inevitáveis no corpo e na mente, resultado dos muitos anos vividos.
Tudo bem se as palavras ou grafias me fogem temporariamente; posso perfeitamente ao Google ou a Siri que preenchem as lacunas.
Adoro a história no livro de Agronin sobre o famoso pianista Arthur Rubinstein, “que lidava com os declínios causados pela idade na habilidade de escolher um repertório mais limitado, otimizando o desempenho com mais ensaios, compensando com alterações no ritmo em certos trechos para destacar as dinâmicas da obra”.
Agronin elogia o Dr. Gene D. Cohen, um dos fundadores da psiquiatria geriátrica, que “não só percebeu o que é o envelhecimento, como também o que ele pode ser, ou seja, não aquilo que realizamos apesar do envelhecimento, mas por causa dele”. No modelo criativo de Cohen, a pessoa tem o potencial de enxergar as possibilidades, e não os problemas; a idade pode abrir caminho para experiências novas e ricas, oferecendo à pessoa uma forma de renovar as paixões e se reinventar.
Há atividades que eu adorava e não posso ou não quero mais praticar, como jogar tênis, esquiar ou patinar no gelo, mas ainda consigo caminhar, nadar e brincar com meu cachorro, coisas que me deram prazeres inesperados e resultaram em novas amizades.
Posso ir ao museu com meus netos e me divertir com o conhecimento sobre os impressionistas que adquiriram na aula de Educação Artística. Quando lhes dei ingressos para me acompanharem à ópera, um deles disse sorrindo: “Acho que vou adquirir um pouco de cultura”.
Já sei que se e quando minha capacidade física se tornar ainda mais limitada, sempre poderei ter conversas enriquecedoras com esses meninos que estão se tornando adultos com uma rapidez assustadora.
Eles podem saber como reiniciar meu celular ou descobrir canais escondidos na minha TV, mas eu posso ajudá-los a colocar suas experiências de vida em perspectiva e apoiar a decisão de sair da zona de conforto para correrem riscos que oferecem potencial de crescimento.
Como uma das entrevistadas mais jovens de Agronin diz: “Mesmo quando o declínio físico e as perdas restringem as opções, a capacidade de apreciar e de encarar cada dia com um sentimento de propósito permanecer”.
“É só uma questão de como se encara a situação”, conclui.
Ele menciona o conceito desenvolvido por Robert D. Hill, psicólogo de Salt Lake City. “O envelhecimento é afetado pela doença e pelas limitações, mas não se condiciona a evitá-lo. Pelo contrário, gera um estado mental positivo, otimista, corajoso e capaz de se adaptar e lidar com as mudanças da vida de forma flexível”.
Ou, como Cohen constatou, a criatividade não está limitada aos jovens. Em qualquer idade, ela pode abrir as pessoas a novas possibilidades e acrescentar riqueza à vida. De acordo com o autor, beneficia o envelhecimento fortalecendo o moral, aprimorando a saúde física, enriquecendo as relações e estabelecendo um legado.
Agronin citou dois exemplos notáveis: Henri Matisse, “o homem que se levantou dos mortos” após uma cirurgia de câncer, em 1941, e passou a criar colagens quando não conseguia mais pintar; Martha Graham, que se reinventou como coreógrafa quando não pôde mais dançar.
Segundo o livro, quando não conseguimos mais batalhar pelos papéis e as paixões da juventude, podemos buscar força e inspiração no passado, tentar algo novo que seja uma extensão do que fazíamos ou que nos leve em outra direção.
E, como Leland descobriu, não há espaço para ressentimentos na velhice feliz. Embora eu não tenha ganhado o Pulitzer, os “prêmios” que recebi de milhares de leitores, agradecidos pela ajuda contida nos meus textos nos últimos 50 anos, são muito mais importantes.
Eles me inspiram a continuar fazendo o que faço de melhor, ou seja, fornecer informações vitais sobre saúde e inspiração baseada nos melhores trabalhos científicos atualmente disponíveis.
Citando o trabalho de Laura L. Carstensen, diretora fundadora do Centro Stanford para Longevidade, Leland escreveu que “os idosos, cientes de que têm um tempo limitado diante de si, concentram as energias em coisas que lhes dão prazer no momento, e não num futuro que talvez nunca chegue”.