Como a tecnologia ajuda idosos a se aprimorarem para trabalhar

Como a tecnologia ajuda idosos a se aprimorarem para trabalhar

“Aposentadoria” é um termo relativamente nebuloso no Brasil, ainda mais com pautas como a reforma da Previdência tomando o noticiário político praticamente toda semana. Diante dessa instabilidade, é natural que o público pertencente à terceira idade, ou seja, a partir dos 60 anos, queira continuar trabalhando ou empreender de alguma forma.

A questão é: diante de um mercado de trabalho em constante estado de mudança, como aqueles que já cumpriram seus deveres podem voltar ao setor produtivo sem perder a relevância? A resposta parece óbvia: cursos de capacitação e extensão, por meio de empresas que, como o Canaltech já mostrou no passado, vêm crescendo em ofertas de ensino à distância e aplicações voltadas ao aprendizado de forma modernizada.

“Vivemos um momento em que o desemprego é muito grande. A absorção de mão de obra acima de 50 anos torna-se cada vez mais difícil. Assim, para uma população (terceira idade) que está em crescimento e que tem potencial de trabalho, o empreendedorismo e negócio próprio pode ser um caminho”, comenta a professora Ivete Palange, conselheira da Associação Brasileira de Educação à Distância (ABED)

Ela reconhece, porém, a infelicidade da baixa incidência de cursos voltados à terceira idade. “Pelos dados do nosso censo, realizado em 2016, a maior incidência nos cursos está entre 30 a 40 anos. Acima disso, o número de alunos matriculados é pequeno, tanto em cursos regulares de formação como em cursos corporativos”.

Palange ainda acha, porém, que o ensino à distância, que hoje é dotado de ferramentas tecnológicas que flexibilizam o aprendizado, pode ser o melhor caminho para que “vovôs e vovós” possam seguir atuando no mercado, mesmo diante das dificuldades de manuseio de alguns dispositivos e plataformas: “O mundo da educação a distância não tem dado destaque a este público de terceira idade, mas ele se mostra promissor. E quando relaciona jovens com pessoas de terceira idade se consegue bons resultados”.

“As pessoas idosas não têm a velocidade dos jovens, mas têm experiência. Assim, elas podem dominar a tecnologia desde que as orientações sejam mais específicas e que se leve em conta um tempo maior para a aprendizagem num primeiro momento”, ela comenta. Incluir aplicativos requer conversar com idosos e aferir como é o seu processo de aprendizagem tecnológica, de contar com um tempo maior para o processo de familiarização. Mas a partir do que ele domina, explora com desenvoltura”.

A opinião da professora é compartilhada pelo diretor da PUC Virtual, o professor Marcos Kutova, que dirige a área de ensino à distância da Pontifícia Universidade Católica, em Minas Gerais. “Quem se formou há mais tempo não teve a oportunidade de conhecer novas tecnologias. Nos cursos EaD, não tem um ritmo imposto para a turma toda. Esse é um diferencial para quem está afastado do mercado de trabalho há um tempo e precisa de um tempo maior para desenvolver conceitos e técnicas”.

Segundo o diretor, cerca de 0,5% dos 119 alunos EAD da instituição, somando-se graduação e pós latu sensu, correspondem à idade de 60 anos ou mais. A PUC Minas, segundo Kutova, não direciona seus cursos por idade, mas sim por especialização, no intuito de aumentar a vida útil profissional de uma pessoa, seja ela jovem ou idosa: “Oferecemos cursos, por exemplo, de planejamento estratégico, gestão de pessoas. Para quem tem mais de 60, a graduação é um tempo longo e começar uma profissão nova pode ser muito difícil. Temos a expectativa de ampliar a permanência nas carreiras que eles já desenvolveram. O aumento da expectativa de vida faz com que muitos possam trabalhar até mais tarde. A especialização deixa o profissional idoso mais competitivo no mercado de trabalho, pois ele pode fazer uma conexão entre a experiência acumulada ao longo de décadas e as novas técnicas adquiridas no curso”.

O professor da Fundação Getúlio Vargas e especialista em tecnologia para a educação, Arthur Igreja, porém, enxerga no setor inúmeras oportunidades, argumentando que o aprendizado na terceira idade pode ser mais flexibilizado devido ao tempo possivelmente maior dedicado aos cursos e aulas: “Normalmente, é uma faixa etária com horários um pouco mais abertos. Se renovar, se oxigenar e ganhar novas competências e sabedoria também estão entre os benefícios. Além disso, para pessoas com problemas de mobilidade também tem inúmeras vantagens. EAD tem tudo a ver com o público da terceira idade”.

Arthur conta de um caso específico de sua experiência: “Algo que me chamou muito a atenção foi uma pós-graduação para a terceira idade que conheci em Santa Catarina. O curso tem como objetivo ensinar legislação, direito do idoso, cuidados com a saúde no momento em que o corpo tem uma nova característica, toda uma proposta fazendo uma analogia com a chegada da vida adulta. Tem muito viés para o lado trabalhista, mas também de adquirir conhecimento”.

Para ele, um eventual crescimento na oferta de cursos à distância ou plataformas destinadas a este público é algo consequencial, inerente ao crescimento das possibilidades de ensino como um todo, que vão se tornando atraentes a todas as idades: “Eu penso nisso como algo provocado: a pirâmide brasileira está invertendo, temos cada vez mais idosos. É um mercado para o qual muitas pessoas começam a voltar os olhos e entender como podem explorar. É muito interessante ver que a terceira idade pode ser tão produtiva. E eles mesmos se questionam se tem a ver voltar a estudar e se capacitar. Seja por uma demanda de mercado ou uma descoberta individual, esses interesses vão se encontrar, mas ainda é algo puxado pela oferta”.

Os três especialistas concordam que cursos voltados ao mercado empreendedor, em especial o de pequenos negócios e serviços, é onde reside o maior potencial de sucesso para que a terceira idade encontre a boa produção de negócios. Enquanto Marcos Kutova argumenta que a graduação comum seja algo mais longo e que pode levar o aluno idoso ao desinteresse, Arthur Igreja aponta que a criação de um negócio próprio coloca o idoso em uma posição vantajosa em relação a profissionais mais jovens: “Com toda certeza há espaço para empreendedorismo. São pessoas que acumularam mais experiências e vivências, e isso é algo que falta aos jovens. Então, para empreender é fundamental ter essa capacidade. Faz muito sentido, sim, ter cursos voltados ao empreendedorismo justamente para despertar esse lado. Pode ser também a realização de um sonho. Algo que foi guardado durante a vida toda e agora é chegada a hora de colocar em prática”, ele diz.

Os três também concordam que, ainda que a incidência de cursos destinados especificamente a este setor da população seja relativamente baixa, ele ainda é um onde empresas e fornecedoras de conteúdo de aprendizado voltam sua atenção. Como o próprio Arthur Igreja já apontou mais acima, a população brasileira está chegando cada vez mais à terceira idade e, com isso, a busca por experiências que deram certo em outros países pode se intensificar: “Há uma experiência na Índia em que vovós inglesas foram convidadas a orientar, por computador, crianças indianas que estavam aprendendo inglês. Esta experiência foi um sucesso de aprendizagem de idioma”, comenta a professora Ivete Palange.

Uma coisa é certa: aplicativos, sozinhos, não servirão de muita coisa, segundo os três especialistas. Para eles, a questão do ensino mais didático se faz necessária, a fim de que o idoso tenha uma orientação mais específica à sua capacidade de atenção e aprendizado, sobretudo no que tange ao uso das plataformas: “Os aplicativos podem trazer grandes contribuições para a atualização de idosos. Mas, é preciso também prever alguns encontros presenciais. O sistema híbrido tem se mostrado efetivo no processo de EAD e acredito que para este público ele também poderá ter boa aceitação. Uma parte do conteúdo pode ser desenvolvido a distância e outra presencialmente”, posiciona Palange.

“Os apps são recursos muito importantes no apoio a aprendizagem e para desenvolver habilidades técnicas. Não pensamos em transferir para os apps a responsabilidade pela formação das pessoas. Muitas das ações na educação podem ser substituídas pelos apps, mas há a necessidade de interação pessoal”, opina Kutova.

Arthur finaliza, dizendo que a pluralidade de ofertas é o que trará maior interesse deste público, que poderá escolher aquela que melhor se adequa à sua rotina e capacidade. Para ele, esse ou aquele modelo apenas não atenderá à demanda que pode crescer nos próximos anos: “Alguns vão querer encontrar isso em escolas e universidades. Porém, outros, seja pela conveniência, mobilidade ou custo vai optar pelo EAD”.

Fonte : https://canaltech.com.br

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