Imagine um lar amigável para quem já chegou ou caminha para idade madura, em que o indivíduo é convidado diariamente a conviver com a comunidade, dividir tarefas, compartilhar a mesa e atividades lúdicas e prazerosas. Em que vizinhos se conhecem e se frequentam. Dividem muito e individualizam pouco. Em que o objetivo é favorecer a autonomia e o bem-estar.
Essa é a proposta do conceito cohousing sênior, que nada tem a ver com casas de repouso para a terceira idade ou hotéis especializados em receber esse público. O projeto consiste em um grupo que opta por abrir mão dos modelos de residência tradicionais para unir moradia individual a um espaço comunitário. Há, nesse ideal, pequenas habitações de uso particular (dormitório, minicozinha e banheiro) e uma área de uso comum com espaços de lazer, refeitório, salas de TV e lavanderias coletivas, por exemplo. Tudo em um mesmo terreno (uma gleba de terra) ou condomínio projetado para estimular o convívio, a sustentabilidade e a solidariedade.
Já sucesso de público e crítica na Dinamarca, EUA e Espanha, o conceito, que não é restrito à comunidade sênior – o filósofo grego Epicuro falava dele e difundiu seus propósitos três séculos antes de Cristo –, vem, aos poucos, chegando ao Brasil.
Por aqui, o modelo de iniciativa privada mais adiantado é o realizado por grupo de professores aposentados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que, desde 2013, trabalham na implementação da Vila ConViver. Diretrizes jurídicas e códigos de ética já foram desenvolvidos e aprovados pelo conjunto, que conta com 54 pessoas. Até 2021, participantes, como o professor aposentado Bento Carvalho Júnior, esperam estar morando no cohousing. Já em João Pessoa e em mais cinco municípios da Paraíba, o governo estadual implantou o Cidade Madura, projeto de habitações populares (Minha casa, minha vida) adaptadas e com serviços voltados exclusivamente para a comunidade idosa local.
CONEXÕES
Em Minas, projetos cohousing também vêm extrapolando o plano das ideias. Em BH, exemplo é o Conexão Gaia. O grupo aberto, que atualmente conta com oito mulheres, é interessado em ampliar a convivência entre si e planeja ideais para a implantação da moradia, que celebrará a coletividade e resgatará preceitos das antigas comunidades, como um contato mais próximo e genuíno com a terra. A mãe natureza também é berço para a implantação do Aldeia da Sabedoria, projeto idealizado pela terapeuta Gislaine D’Assumpção, que prevê a construção de residências num espaço localizado em Ravena, distrito de Sabará, na Região Metropolitana de BH.
Segundo especialistas, o modelo cohousing sênior é um reflexo do que vem ocorrendo em todo o planeta: aumento da expectativa de vida da população e, com isso, o surgimento de uma comunidade madura cada vez maior, autônoma, ativa e carente de soluções para anseios e demandas.
“É missão da Vila ConViver ser uma comunidade sênior solidária, que favoreça o envelhecimento saudável de todos os seus moradores por meio do apoio mútuo, da cooperação, do incentivo à autonomia, do respeito à individualidade de cada associado e da interação com a sociedade em geral”, detalha Bento da Costa Carvalho Júnior, de 72 anos. Engenheiro de alimentos, professor doutor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele integra a Associação dos Moradores da Cohousing Sênior Vila ConViver e atua na vice-presidência da entidade.
Idealizado por grupo de docentes da Unicamp, a partir das pesquisas de um Grupo de Trabalho (GT) que investigou a temática moradia para idosos, o projeto Vila ConViver está com desempenho avançado. A previsão dos 54 integrantes é que a mudança para o espaço seja realizada a partir de 2021. Ao descrever o hábitat idealizado para viver a última etapa da existência, o professor aposentado é só entusiasmo. “Estudamos várias opções de residência para idosos com problemas – limitação/restrições – de autonomia e independência existentes no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Esse trabalho nos levou à descoberta de um tipo de comunidade residencial intencional criado na Dinamarca, na década de 1990, em que os moradores iam menos aos médicos, tomavam menos remédios e viviam mais que o restante da população. O grande diferencial desse tipo de comunidade residencial era a parte social, por meio da criação intencional do espírito de comunidade, de apoio mútuo e cooperação entre os seus moradores”, explica.
No projeto da Vila, os arquitetos preveem que a casa comum chegue a ter até 600 metros quadrados (m²) de área construída (com suítes para hospedar familiares dos moradores) e as residências individuais, de 80m² a 100m². “Outras dependências comuns podem incluir pista de caminhada, núcleos distribuídos com mesa e bancos, horta etc. O estacionamento de veículos é comum, logo na entrada do terreno. A arquitetura física de uma cohousing privilegia a interação social”, reforça o professor.
MOTIVAÇÃO
A ideia é tentadora até para quem ainda é jovem, caso de Ana Beatriz de Oliveira, relações-públicas, de 49. A princípio, ela chegou aos grupos Cohousing BH e Conexão Gaia, ambos idealizados por Cícera Vanessa Maia, de 58, funcionária pública federal aposentada, pensando em poupar a única filha da preocupação com cuidados que demandaria na velhice. Mas logo se apaixonou pelo projeto e pelas ideias propostas no novo modelo. “Pela minha própria experiência de vida, percebo que as pessoas, mesmo familiares, não têm a ideia de repartir, compartilhar. E foi justamente tal premissa que me fisgou logo que conheci o modelo”, conta.
Hoje, ela e Cícera se tornaram amigas e vêm espalhando por aí a ideia do cohousing em que pretendem estar morando já a partir de 2022. “Nosso grupo ainda está em formação. Nessa caminhada de um ano, estabelecemos cuidar das relações e da convivência em um primeiro momento. Isso porque nosso grupo é aberto e eclético. Nosso foco, então, é conhecer essas pessoas, construir uma identificação, criar laços de convivência. Quando sentirmos que esse primeiro passo está consolidado, partiremos para o combinado.” Ou seja, os trâmites práticos, burocráticos e legais para a realização do cohousing.
Cícera informa que o propósito de residir em uma cohousing é mais amplo e imbuído de conceitos e paradigmas, como solidariedade e sustentabilidade. Além, é claro, da cultura do compartilhar. “Já no contato inicial, procuramos desconstruir a ideia do ‘quanto custa’ viver numa cohousing. Digo que é preciso, antes, saber se quero morar tão próximo a outras pessoas, aderir à coletividade. Sim, claro que existe um investimento financeiro e, geralmente, quem vive em um cohousing até se dispõe do imóvel tradicional para aderir ao projeto, mas não deve ser esse o tópico principal em uma primeira análise. Antes, há de se pensar nas relações.”
MUDANÇAS EM CURSO
Em coro, Cícera e Beatriz lembram que há uma nova configuração familiar e social em curso, inclusive dos pontos de vista antropológico e gerontológico. “Hoje, uma pessoa com 70 anos ainda é broto, por mais que a saúde não seja a mesma dos 30”, destacam. Cícera reforça: “Há, em cena, a necessidade de adaptação, uma mudança de cultura. Então, estamos pensando em novos espaços, em que haja atenção às demandas, à segurança e à qualidade de vida dos idosos”. E lembram que o processo exige mudanças, inclusive de paradigma, de comportamento. “A ideia de compartilhar ainda causa impacto muito forte aqui. Isso porque, no Brasil, ficamos amarrados à ideia de condomínio. Esquecemos de hábitos, como cumprimentar o vizinho, compartilhar um bolo. E nem todo mundo já despertou ou está disposto a praticar o desapego, a fugir do individualismo. É um desafio.”
Fonte: https://www.uai.com.br