Guru do movimento anti-ostentação ensina como viver com menos

São Paulo – O americano Joshua Becker era um pastor há seis anos. Mas os ideais que pregava na igreja, relativos à humildade, simplicidade e doação.

O americano Joshua Becker reduziu em 60% o seu patrimônio ao abrir mão de status social e aderir ao minimalismo. Acompanhe a entrevista concedida à EXAME

São Paulo – O americano Joshua Becker era um pastor há seis anos. Mas os ideais que pregava na igreja, relativos à humildade, simplicidade e doação, não o impediram de ser contagiado por sentimentos negativos, como a necessidade de status social e a inveja.

“Vivemos em uma cultura de acumulação. As pessoas ao nosso redor estão consumindo mais e mais, e cada vez mais somos alvos da publicidade, de todas as formas. Estamos afundando nesse oceano e nem percebemos. Essa cultura permeia todas as esferas da sociedade, até a igreja”, conta.

Para Becker, a sociedade exalta o excesso, que acaba se tornando um objetivo de vida: ter uma grande casa, ter um carro a mais, boas roupas. “Mas isso não nos torna mais felizes”, conclui.

Mesmo com condições de manter o seu estilo de vida, apesar de não conseguir guardar dinheiro, Becker resolveu dar um basta: se desapegou de 60% das coisas que tinha acumulado por anos. E, principalmente, passou a comprar menos.

O americano resolveu mudar o seu pensamento sobre o consumo quando conheceu o minimalismo, movimento que prega que viver com menos posses dá liberdade, principalmente financeira, para se ter uma vida com mais propósito e focar no que realmente importa, como passar mais tempo com a família ou buscar um emprego que pague menos, mas no qual é possível ter maior satisfação. A corrente de pensamento, com um forte apelo sustentável, ganha força em diversos países, conforme mostra um documentário disponível na Netflix.

O pastor se encantou de tal maneira com o movimento que largou o seu emprego para dar palestras sobre como ser feliz com menos bens materiais. Escreveu um livro “The More of Less: Finding the Life You Want Under Everything You Own” (O mais do menos: encontrando a vida que você quer sob tudo o que você tem, em tradução livre) e mantém um blog, o Becoming Minimalist.

Becker vem ao Brasil em setembro para contar a sua experiência em um evento sobre organização. Abaixo, ele conta um pouco da sua história à EXAME:

Você diz que escolheu o minimalismo, mas você sabe que, na maioria das vezes, as pessoas são forçadas a viver com menos. Aqui no Brasil nós estamos passando por uma grande crise econômica, na qual muitas pessoas estão perdendo seus empregos. Nesses casos, como podem tornar essa transição mais leve e não tão traumática?

É sempre trágico perder um emprego. Quando perdemos um trabalho, se temos esse pensamento de que ter mais coisas traz felicidade, ficaremos deprimidos. Ninguém para e pensa: não precisamos de todas essas coisas. Quem perdeu o emprego tem de verificar se já não tem tudo o que quer.

Por outro lado, quem não perdeu o emprego e criou o pensamento de que não precisa ter muito para ser feliz consegue encarar melhor a tempestade da demissão.

Qual foi a coisa mais difícil de desapegar do seu antigo estilo de vida?

A coisa mais difícil de desapegar varia muito de pessoa para pessoa. Honestamente, não foi muito difícil me desapegar de tudo. O que foi mais difícil foi entender por que eu acumulei tanta coisa. Foi um processo que durou nove meses, e envolveu toda a minha família: eu, minha esposa e meus dois filhos. Eu olhava para tudo e dizia: olha quanto dinheiro eu desperdicei.

Um exemplo de um excesso que cometi é que chegou uma hora que eu tinha cinco relógios. Me perguntei por que eu precisava daquilo. Eu olho as horas no celular! Aí descobri que era apenas um símbolo de status. Eu sentia inveja, ciúmes e, na época, provavelmente queria impressionar pessoas.

Você diz que o minimalismo, naturalmente, te dá mais dinheiro. Quanto você economizou ao passar a ter menos coisas? E o que você fez com esse dinheiro extra?

Desapegar da maior parte das minhas coisas me permitiu começar a guardar dinheiro. Antes eu vivia apenas com o salário mensal.

Com o dinheiro que economizei eu fiz mais viagens com a minha família e vivi experiências que nunca havia vivido. Também consegui mudar de carreira porque tinha menos contas para pagar e eu queria um emprego que pagava menos, mas do qual eu gostava mais. Vi que estava no lugar errado sendo pastor. Me tornei escritor.

Acabei me livrando da maioria das coisas que eu tinha vendendo algumas delas e doando outras. Além disso, passei a comprar menos roupas, objetos de decoração, utensílios para a cozinha e aparelhos eletrônicos, além de equipamentos esportivos. Contas básicas, como alimentação, não mudaram.

Quando passamos a comprar menos, ganhamos espaço para comprar coisas melhores, com mais qualidade. Não preciso ter nove calças no armário, apenas três boas.

Nos mudamos para uma casa menor, já que não precisávamos mais de quartos extras para guardar coisas acumuladas. Dessa forma, consegui reduzir o financiamento do meu imóvel pela metade.

Comecei também a fazer doações para a caridade. Se você doa, isso pode ser deduzido do seu Imposto de Renda. Também economizei com isso.

O trabalho doméstico é um problema moderno, principalmente quando a gente encara uma jornada de trabalho extensa. Ter menos coisas, inclusive uma casa menor, dá menos trabalho em um cenário em que o tempo é cada vez mais precioso. Você sentiu esse benefício?

Com certeza. Com menos trabalho doméstico para fazer e menos coisas para cuidar, eu comecei um hobby: escrever um blog. Comecei a encarar isso como um segundo emprego, algo divertido de fazer. Ou seja, quando ganhei tempo, ganhei indiretamente mais dinheiro.

Acredito que não podemos separar a vida financeira da emoção. Se estamos bem emocionalmente, estamos bem financeiramente. Comecei a fazer coisas que gosto, passar mais tempo com a minha família, relaxando e fazendo exercícios físicos e isso se refletiu na minha vida financeira.

Eu deixei de viver estressado o tempo todo, passei a fazer melhor o meu trabalho e produzir mais valor para a empresa e a sociedade.

Mostrar o minimalismo como um exemplo para os seus filhos parece algo importante, ainda mais quando vemos casos de pais que “compram” o afeto de crianças com presentes, pois não conseguem passar muito tempo com elas. Como você lida com o consumismo típico dessa fase, tanto com os pedidos de compras deles baseados no que os amigos têm, como a necessidade de criarem uma personalidade ao usarem roupas de marcas, etc.?

Meus filhos têm hoje 16 anos e 12 anos. Sei bem do que você está falando. Não acho que os filhos são diferentes de adultos: muitos adultos agem como crianças ou adolescentes. Mas tem duas coisas importantes que devem ser ensinadas. Uma delas é que não se pode curar a inveja. Se o seu filho está com inveja do videogame do amigo, se ele compra-lo, isso não irá curá-la. Ele logo vai querer outra coisa.

Colocar limites é uma habilidade importante para os pais. Os problemas começam quando não há limites. Devemos ensinar que temos dinheiro, tempo e espaço limitados. A vida consiste em aprender onde colocar o dinheiro.

Uma maneira que encontramos de falar de forma suave sobre esses limites para eles é que eles não podem ter mais brinquedos do que caibam no armário. Para ter mais brinquedos, eles sempre devem tomar antes a decisão de manter ou doar os que já têm.

Qual a sua visão sobre crédito? No Brasil as pessoas geralmente se superendividam por conta dos altos juros cobrados pelos bancos. Como você lidava com o crédito antes de conhecer o minimalismo? E agora?

Eu uso cartão de crédito, mas pago o valor total da fatura todos os meses. Não carrego dívida além do financiamento do imóvel. Não compro nada que não posso pagar. Sempre foi assim.

Acredito que se endividar por questões médicas ou um acidente é compreensível. Mas para comprar uma televisão, não faz sentido.

Você diz em seu blog que você aprendeu a deixar de comparar o que você tem com o que as pessoas ao seu redor têm. Como conseguiu isso? E, quando se desapegou da maior parte de suas coisas, como a sociedade viu você?

Eu passei a não comparar mais o que eu tinha com o que outras pessoas têm quando me tornei mais grato pelo que eu tenho.

Quando me desapeguei de tudo, poucas pessoas acharam estranho e tentaram mudar a minha cabeça. Sempre tive a oportunidade de explicar os benefícios que tive e por que eu entrei nessa. A partir daí, poucos discordaram. Mas é um fato: nem todos abraçam a ideia.

Com menos coisas, podemos nos ver melhor. Isso não é fácil para algumas pessoas, não é?

Nosso descontentamento é evidenciado no excesso. Estamos infelizes com a vida e corremos para comprar a felicidade. Isso não vai dar certo. Começamos a trabalhar muito para manter essa “felicidade”. E esquecemos que o mais importante é resolver o motivo do descontentamento.

Fonte: https://exame.abril.com.br

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