Carlos senta na primeira fileira, não chega atrasado na aula e recorda da época em que não tinha condições financeiras de cursar uma graduação.
Com habilidades para desenho, senhor Carlos faz aulas de pintura e está indo para o segundo ano de Arquitetura e Urbanismo. Foto: Isabella Bucci
“Estou me sentindo um ser absoluto”. É assim que Carlos Augusto Manço, de 91 anos, descreve sua vida hoje, após ir para o terceiro semestre da sua primeira graduação nestas nove décadas de vida. Amante de orquídeas e desenhista profissional, o vovô estava na dúvida entre fazer Biologia ou Arquitetura, mas optou pelo segundo por estar mais integrado ao assunto.
Morador de Ribeirão Preto, Carlos não conseguiu fazer o ensino superior na juventude por questões financeiras. “Só tinha curso profissionalizante na cidade e eu não tinha condição de estudar fora. Então, resolvi trabalhar e fazer o que estava ao meu alcance [técnico em edificações]”, explica.
O idoso conta que trabalhou por 50 anos com desenho urbano. Foi funcionário do Departamento de Águas de onde morava e, depois, ajudou a projetar as obras do hospital universitário da Universidade de São Paulo (USP), no campus de Ribeirão Preto. Hoje, na terceira idade, ele se dedica a passar seu conhecimento aos colegas de classe. “Minha vida toda foi desenhar. Então, ensino os ‘moleques’ como deve ser a intensidade do traço e tudo que aprendi anos atrás”, relata.
Em uma das aulas, Carlos mostrou seus desenhos para os outros alunos. Foto: cedida por Isabella Bucci
A coordenadora do curso de Arquitetura da Universidade Barão de Mauá – onde Carlos estuda -, Flávia Olaia, afirma que ele é bastante participativo, senta na primeira fileira, não atrasa os trabalhos, chega mais cedo na faculdade e costuma comentar suas memórias sobre a cidade nas aulas de urbanismo. “Ele teve um pouco de dificuldade com informática no começo. Tinha receio até de ligar o computador”, recorda. “Hoje, isso mudou e ele tem facilidade até para mexer com softwares da área”, completa.
Carlos é conhecido pelos alunos e professores por ser muito respeitoso, bem humorado e prestativo. A única coisa que o incomoda é quando o chamam de senhor. “Já disse para não me chamarem assim. Sou jovem, tenho 60 anos”, brinca. “Fora isso, meus colegas são simpáticos, atenciosos e me ajudam quando preciso. Não sofro preconceito por causa da idade”, diz.
O estudante está apreensivo com as matérias que estão por vir, mas contente ao ver que o tempo está passando e ele está cada vez mais próximo de se formar para aplicar o que aprendeu. “Eu vou trabalhar um pouco. Quero estagiar em algum hospital [uma vez que trabalhou em obras de saúde na USP] ou num escritório, ajudando os arquitetos”, conta. A motivação não é para menos: ele entende a importância de exercitar o cérebro na idade em que está.
Carlos durante visita de campo realizada pela turma. Foto: Isabella Bucci.
Na terceira idade, o apoio da família é fundamental
Flávia Olaia conta que o mais surpreende nessa empreitada acadêmica do vovô é o apoio dos parentes. “A filha e os netos estão sempre o acompanhando. Levam e buscam o senhor Carlos todo o dia e estão sempre em contato comigo pelo WhatsApp para ver como ele está. É uma família iluminada”, elogia. Além disso, sua neta, Isabella Bucci, o ajuda transcrevendo os trabalhos no computador, uma vez que o idoso ainda tem dificuldade para digitar.
O auxílio dos entes queridos vai na contramão de uma parcela da sociedade brasileira: o mais recente levantamento do Disque 100, com dados do primeiro semestre deste ano, registrou 34,3 mil denúncias de violência sexual, psicológica, institucional, física, tortura, negligência e outras violações de direitos humanos. Nos últimos oito anos, esse casos totalizaram 432 mil queixas.
Vovô foi flagrado estudando em uma prancheta da faculdade. Foto: Imagem cedida por Isabella Bucci
Distante desses números, Carlos segue motivado para começar 2019 dentro da universidade ao lado dos familiares, professores e amigos da turma, e encoraja jovens desmotivados a seguirem seus sonhos no ensino superior. “Não ligue para nada. Entre na idade que quiser, porque o aprendizado se molda ao lado dos colegas”, aconselha.
Fonte: https://emais.estadao.com.br