Em três décadas, pessoas com síndrome de Down tiveram a expectativa de vida ampliada em 40 anos. Contudo, maior longevidade não foi acompanhada por oportunidades sociais.
As pessoas com síndrome de Down já foram tratadas como eternas crianças. Se no século passado tinham sobrevida de 30 anos, atualmente podem viver até os 70, segundo o maior especialista da síndrome do país, o médico geneticista Zan Mustacchi. No Dia Internacional da Síndrome de Down, a boa notícia vem acompanhada de uma preocupação: garantir a essas pessoas uma ocupação e até uma aposentadoria digna.
“Essa turma mais antiga está dentro de casa com depressão, sem ter o que fazer. Eles são de uma época em que não havia estimulação suficiente e nem todos aprenderam a ler e a escrever para ser inseridos no mercado de trabalho”, protesta Luzia Zolini, diretora da Família Down, de Belo Horizonte. Segundo ela, a maioria das empresas já acatam a determinação de contratar pessoas com deficiência física para cumprir as cotas exigidas por lei, mas ainda têm dificuldades de aceitar os trabalhadores com deficiência intelectual.
“É um erro. As pesquisas mostram que as pessoas com síndrome de Down tornam o ambiente mais feliz e humano. Elas cumprimentam da mesma forma o presidente da empresa e a faxineira que limpa o banheiro e isso contagia a equipe”, compara.
O que familiares e especialistas pedem é uma maior inserção social dos portadores da síndrome. “O pai e a mãe das pessoas com Down não são eternos. Essa verdade é inerente a qualquer um e é preciso preparar essas pessoas para o mundo”, alerta Thiago de Araújo, diretor de projetos da Creative, instituição carioca, com filial em BH, que vai promover o primeiro workshop de inclusão escolar de Minas, este mês.
“Se há meninos passando na faculdade em outros estados, porque isso não acontece aqui?”, questiona Araújo, citando Kalil Assis Tavares, de 21 anos, primeiro aluno Down aprovado no vestibular da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Esforço familiar
“Olá, mocinha!”, graceja Rafael Zambelli, de 54 anos, cumprimentando a irmã Magda Zambelli, de 60 anos, ao subir os lances da escada do Dia Dia, instituição particular que oferece atividades a pessoas com a síndrome de Down e outras deficiências físicas e intelectuais.
Galanteador, Rafael não perde tempo. Chama de “linda” a moça que o ajuda a saltar os degraus e, depois de recuperar o fôlego, convida a irmã para uma contradança. “Meu pai era festeiro e foi um dos fundadores do Pampulha Iate Clube (Pic). Rafael vivia nos bailes e gosta de dançar. Hoje está mais velho, mas já foi um grande dançarino em diversas modalidades”, conta Magda. Segundo ela, o irmão teria sido a primeira pessoa com síndrome de Down matriculada em uma escola em Minas Gerais.
“Rafael não pode ficar na escola a vida toda”, desabafa Magda Zambelli, que manifesta este desabafo “cheia de tristeza no coração”. Segundo a irmã de Rafael, ele está matriculado desde criança na escola, aprendeu a ler e a escrever cerca de 300 palavras. Quando a escola regular recusou sua matrícula, por ele já ser um adulto, a família contratou uma professora particular.
Atualmente, paga em torno de R$ 900 mensais para garantir um turno de atividades a Rafael, que faz aulas de informática, culinária, yoga e circo, dentre outras. “A geração do Rafael tornou-se um laboratório vivo. Foi o primeiro paciente de uma fonoaudióloga que passou a atender Down e está tratando com um fisioterapeuta especialista em idosos, para tratar um problema de coluna. Por enquanto, está dando certo”, diz.
Palavra de especialista
Zan Mustacchi
médico geneticista
No século passado, mais precisamente até à década de 1980, as pessoas com síndrome de Down tinham sobrevida de 20, 30 anos. Hoje, a expectativa de vida é de 60, 70 anos. A primeira coisa que mudou foi a exigência dos pais, que passaram a obrigar os médicos que cuidavam dos irmãos de Down a aplicarem os mesmos conhecimentos em ambos. Antes, as pessoas com Down nem mesmo tinham indicação de tomar as vacinas, pois havia o mito de que iriam morrer cedo. Outra questão que melhorou é que as pessoas com Down nascem com cardiopatia congênita e 50% têm indicação de cirurgia cardíaca, mas eles eram os últimos a ser operados e ainda assim, quando havia vagas disponíveis. Hoje, antes dos seis meses, todos eles operam. Também a alimentação melhorou. É sabido que as pessoas com a trissomia do cromossomo 21 têm uma imaturidade hepática e, para elas, é necessária uma nutrição com mais proteína de peixe e menos carne vermelha, além da ingestão de produtos da horta, sem agrotóxicos. Aos meus pacientes, recomendo ainda ser infiel às marcas da indústria, evitando consumir os mesmos corantes e conservantes a vida toda. Ao mudar as marcas, variam os conservantes ingeridos. Por fim, a imunização, alimentação e a cirurgia cardíaca repercutiram em melhor qualidade de desenvolvimento das pessoas com síndrome de Down, mas ainda falta oferecer oportunidades sociais. Essa é a palavra-chave para um futuro melhor.
Fonte: https://www.em.com.br