Se você herda o gene mutante, o Alzheimer vai aparecer por volta dos 50 anos de idade – com certeza absoluta. E seu filho tem uma chance de 50% de sofrer com o mesmo problema.
Marty e Matt Reiswig, dois irmãos de Denver, sabiam que a doença de Alzheimer ocorria em sua família, mas nenhum deles entendia o porquê. Então um primo, Gary Reiswig, que eles mal conheciam, escreveu um livro sobre a família, “The Thousand Mile Stare” (“O Olhar das Mil Milhas”, em tradução livre).
Quando os irmãos o leram, perceberam o que estavam enfrentando.
Na família Reiswig, a doença de Alzheimer não é apenas uma ocorrência aleatória: resulta de um gene mutante passado dos pais para os filhos.
Se você herda o gene mutante, o Alzheimer vai aparecer por volta dos 50 anos de idade – com certeza absoluta. E seu filho tem uma chance de 50% de sofrer com o mesmo problema.
A revelação caiu como um raio. Assim como a seguinte: os irmãos descobriram que existe um exame de sangue que pode revelar se uma pessoa carrega o gene mutante. Eles poderiam decidir se querem saber se são portadores. Ou não.
É um dilema que cada vez mais pessoas estão tendo que encarar à medida que os cientistas descobrem mais mutações genéticas ligadas a doenças. Frequentemente um gene recém-descoberto aumenta o risco, mas não garante que a doença vá se manifestar.
Algumas vezes, saber pode ser útil: se você tem uma mutação genética que torna o câncer de cólon muito mais provável, por exemplo, colonoscopias frequentes podem ajudar os médicos a evitar problemas.
Mas também existem genes que transformam uma doença temida em uma certeza: não há nenhuma maneira de preveni-la e nenhuma maneira de tratá-la.
Marty Reiswig, de 37 anos, viu seu pai, hoje nos últimos estágios do Alzheimer, lentamente perder sua habilidade de pensar, de se lembrar, de cuidar de si mesmo e de reconhecer sua mulher e filhos.
Reiswig sabe que se carregar o gene, tem talvez um pouco mais de uma década antes que os primeiros sintomas apareçam. Se tiver, seus dois filhos pequenos talvez também tenham.
Ele não tem certeza se quer fazer o exame.
“Algumas vezes eu penso: ‘Isso é uma tempestade terrível no horizonte que poderia nos devastar completamente, e quero saber se é real ou não’. Outras vezes, digo: ‘Se eu descobrir que é real, saberei que vou morrer desse jeito e qual a possível idade da minha morte – essa é uma quantidade de informação quase insuportável a respeito de meu futuro’.”
“As pessoas dizem que você poderia pular de paraquedas ou montar um touro. Mas você só pode fazer essas coisas se o tempo e o dinheiro permitem. Você ainda precisa acordar de manhã, ir para o trabalho e pagar suas contas.”
Ele está participando de um estudo da Escola de Medicina da Universidade Washington, em Saint Louis, em que os pesquisadores estão acompanhando membros de famílias com o gene para o início precoce da doença. Em um encontro recente, Reiswig se viu em uma sala cheia de pessoas como ele: todas tinham um dos pais com o gene para o Alzheimer.
Todos corriam o risco de ter o gene mutante.
Reiswig perguntou ao grupo: “Quantos de vocês fizeram o teste?”
Metade levantou a mão.
“Daqueles que fizeram o teste, quantos se arrependem?”
A resposta foi um pesado silêncio.
Então, um homem disse que havia feito o teste e descobrira que tinha o gene.
Sobre o arrependimento, “depende do dia”, explicou o sujeito. “Tenho lutado contra problemas de peso e ideias de suicídio, e tive dificuldades no meu casamento desde que descobri. Alguns dias eu realmente me arrependo. É uma carga imensa. Outros dias, fico feliz em saber.”
Reiswig vem pensando no assunto. E decidiu não fazer o teste.
“Para mim, o retorno não vale o investimento”, afirma.
Seu irmão Matt, de 41 anos, que mora perto com a mulher e os cinco filhos, se sentiu atormentado com o medo de ter o gene mutante. Toda vez que perdia as chaves ou esquecia um nome, pensava: Alzheimer.
“Já estava vivendo todos os dias, todos os momentos como se o tivesse. Não queria descobrir se tinha. Queria descobrir que não tinha”, conta Matt.
E decidiu fazer o teste.
“Para mim, é óbvio. Ficar preocupado com qual é a verdade é muito mais prejudicial, e não muda as conclusões.”
Saber a verdade, diz ele, “libera você de fazer suposições erradas”.
Matt Reiswig teve sorte: não tem o gene. Ele chorou quando recebeu a notícia, pensando em todo o tempo e energia que gastou achando que o tinha. E todo o sofrimento emocional
Seu primo Brian Whitney, de 43 anos, não foi tão afortunado.
Seu pai tem o gene e sofre de Alzheimer. Quando tinha 40 anos, Whitney, que mora em Manson, Washington, decidiu fazer o teste, dizendo para si mesmo que precisava saber pelo bem de sua família, especialmente de sua filha de dois anos.
Ela precisaria ver o pai perder a memória quando estivesse com apenas dez anos? Ela iria vê-lo morrer? Ele teria passado o gene para ela?
Se ele carregasse o gene, pensou, iria se oferecer como voluntário para pesquisas; faria qualquer coisa para ajudar os cientistas a entender a doença e tratá-la, se não para o próprio bem, pelo de sua filha.
O teste de Whitney deu positivo. Ele tem o gene. Pensou que estava preparado, mas nada prepara de verdade uma pessoa para esse tipo de notícia.
Nos dias bons, ele quase dá um jeito de esquecer o que está por vir; nos ruins, é só no que consegue pensar. Whitney entrou em um teste clínico: uma enfermeira vem a sua casa todos os meses para injetar nele um medicamento experimental. Isso se tornou uma lembrança mensal do que virá no futuro.
Os amigos dizem que não entendem por que ele optou por se torturar com a verdade, sem mencionar o medicamento que pode fazer com que as coisas fiquem piores, impossível saber.
“Eu balanço a cabeça e digo: ‘Você não tem ideia do que está falando. A única coisa que eu controlo é estar na pesquisa. Viva a minha vida e tenha a história que minha família tem antes de me julgar’.”
Fonte: https://emais.estadao.com.br