Vó Nazareth, 80, saltou de paraglider, do alto de um morro, lá em Caraguá, no litoral paulista. Viu em outra perspectiva o mar, as ondas e a areia da praia. Experimentou o vento batendo forte no rosto e as emoções misturadas. Relou no dedo Deus. Ela fez o que quis, o que deu na telha, o que tinha vontade.
Na realidade, ela não é bem minha avó, mas uma leitora de primeira hora que acabou se tornando amiga de toda hora. Cosmopolita, atualizada e inquieta, vó Nazareth me alerta diuturnamente que certas maneiras de interpretar a velhice estão em desuso, são démodés e cheias de estigmas.
Minha mãe vive reclamando de que eu e meus irmãos interferimos demais em seus desejos, que não consegue ser velha a sua maneira, realizando a seu bel-prazer suas vontades. Por ela, o sofá seria reformado a cada seis meses e sempre haveria uma nova reforminha na casa já mexida dezenas de vezes. Teria 13 cachorros. Jamais visitaria um médico.
Parece que sempre a vontade de proteger, de evitar que o velho se exponha a riscos passa à frente de sua personalidade, tal qual a de uma criança indefesa e inconsequente. Mesmo quando há necessidade flagrante de amparo, seja pela condição física frágil, seja pela mente em desordem, me parece haver excessos, ou pouco cuidado no tutelar dos mais velhos.
Mas há também avanços, exemplos inspiradores. Nesta semana, começou a ser propagado nas ‘internets’, como dizia o magistral Cony, um vídeo em que um homem de 91 anos conta sua experiência como aluno novato de uma faculdade de arquitetura.
Em dado momento Carlos Augusto diz assim: ‘Não sei quem foi que fez um comentário na internet achando que eu tô perdendo tempo. O tempo não é o dele, é o meu. Mas o meu que eu tô perdendo, é aprendendo’.
Em outra situação, anos atrás, eu e minha mulher estávamos em Amsterdã, na Holanda, e escolhemos um bar superdescolado, na ponta de um canal, para tomarmos umas biritas. Enquanto bebericávamos um vinho qualquer, em um clima meio bucólico, na mesa ao lado, um casal de idosos se divertia como se não se houvesse amanhã, enquanto fumava um cigarrinho do capeta aparentemente muito prazeroso e libertador.
Claro que também é muito necessário que se compreenda que, às vezes, o velho quer apenas o prazer do tempo vagaroso, da companhia do gato, do silêncio das tardes de domingo. Embora a tendência natural seja ver apenas melancolia e solidão nesses movimentos, pode também haver desejo legítimo.
Desejo do corpo cansado que quer refúgio na cadeira da varanda vazia, desejo da cabeça fumegante que não quer pensar em nada. Desejo de se retirar das regras de ter sempre de fazer algo e deixar o sossego tomar conta dos poros.
É fundamental que haja mentes mais abertas para a compreensão e abrigo de uma realidade cada vez mais povoada por cãs. Assim como abertas devem estar as portas de universidades, de escolas, de academias, de baladas, de picos de salto de paraglider.
Mais que tudo isso, porém, é necessário ter maturidade para entender que os desejos dos velhos precisam, algumas vezes, do amparo do neto, da compreensão do filho, do apoio da sociedade, do trato do médico, da elegância de um vizinho.
Naturalizando a maneira como é a relação com o velho: indistintamente, sem eufemismos, exageros e empáfia-, abre-se um caminho facilitador para que toda diferença faça sentido, emocione, e seja apoiada, em seus desejos e vontades.